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Cena Triste

Hoje, pela manhã, dirigia-me para o trabalho, feliz por estar empregado aos cinqüenta e sete anos, e pulando amarelinha entre os montinhos de fezes e as poças de xixi dos cachorros cariocas, quando me deparei com uma cena triste: um rapaz, que me apareceu um lídimo representante dos eleitores que decidiram a última eleição presidencial do Brasil (aspecto pobre, bermudas, que, algum dia,  devem ter sido brancas, sandálias havaianas e com a camisa de um conhecido time de futebol do Rio de Janeiro) levava um livro debaixo do braço e, nas mãos, um outro, que ele estava prestes a rasgar.

Ele juntara as duas capas com uma das mãos e, com a outra, começara a puxar aquela massa, pra ele inútil, de letras, frases, parágrafos e idéias, para separá-la das capas.  E qual não foi meu desespero quando, ainda por cima, vi que o livro
que ele rasgava era de um de meus autores favoritos. Quase gritei: não, não faça isso! Lamentavelmente, naquela hora, eu não dispunha de nenhum dinheiro no bolso (eu ainda ia passar no caixa eletrônico da estação do Metrô), pois, se tivesse, teria me oferecido para comprar o livro e salvar aquela pobre vítima da ignorância, que, possivelmente, acabou sendo vendida como papel velho.

Ao ver aquela cena, não pude deixar de me lembrar do período de minha vida em que, para comprar um livro ou uma revista, eu tinha que abdicar dos mistos quentes e refrigerantes nos intervalos das  aulas.  Lembrei-me como me sacrifiquei por cinqüenta semanas (ou foram
quinzenas ?), para colecionar os "Imortais da Literatura Universal", aqueles de capa vermelha, ou como tinha que folhear as revistas e analisar o conteúdo, pra ver qual eu compraria, pois não dava pra comprar uma toda semana.

Não pude deixar de pensar quantas diretoras de escolas públicas gostariam de ter aqueles exemplares nas bibliotecas de suas escolas, ou quanto de trabalho foi despendido pelo autor para expor suas idéias e, pelos editores, para transmiti-las ao público. 

Tudo perdido. Desfeito pela ignorância e pela necessidade. Com certeza, para aquele homem, mais valeram a média e o pão com manteiga, que o livro vendido como papel velho pode ter proporcionado, do que o seu conteúdo.

No meu entender, livros, quaisquer que fossem, já deviam ser, no ato de sua publicação, tombados como patrimônio da humanidade. Mas o que se pode esperar de um povo que elege, para presidente, um homem que  se gaba de ter fugido da escola, de não gostar de estudar e ter se formado "na escola da vida" e cujos líderes demonstram, a todo instante, que o importante não é saber, mas ter (muito) e, sempre que possível, às custas do próprio povo ?

O que esperar de um país que, em vez de investir em educação e saúde, gasta bilhões com bolsas esmolas ou "programas de cidadania" que, se por um lado tiram as pessoas da indigência alimentar, por outro, nada mais fazem do que mantê-las em indigência cultural ?

Temo que ainda irá se passar muito tempo, neste país, até que livros sejam vistos, pela grande massa da população, como fonte de conhecimento e de ampliação dos seus horizontes, e não como papel velho, que pode ser vendido para pagar o almoço.

Rio de Janeiro, 29/02/2008
Jorge Bastos Costa

Cliente Maggiore Viagens, desde 2006


 
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